Um francês em meio aos portugueses

terça-feira, 7 de abril de 2009


É uma herança portuguesa, com certeza. Mas isso não significa que nos aferroamos à tradição como zangões zangados. Ao contrário, a assimilamos e fizemos o que é comum ao Brasil, de forma geral. Misturamo-na com outras pétreas receitas e, de ingrediente em ingrediente, construímos um sabor único que, ao fim, torna-se um produto típico, de terreiro brasileiro.


Estou a escrever sobre o pão francês, que, a despeito do apêndice francófono, é, genuinamente, brasileiro. Existe só no Brasil, com a casca crocante, o miolo macio e farto. Varia no País em sabor, consistência, peso e tamanho. No entanto, é quase que um padrão que nos interliga pelo café da manhã, da tarde e como acompanhamento das mesas de jantar.


Esse integrador nacional, mais poderoso do que a TV e o rádio, na minha opinião, foi criado há 90 anos pelas mãos de um brasileiro que, literalmente, pôs a mão na massa. Esse brasileiro viajou à França e, de volta ao Brasil, quis reproduzir o baguete aqui. O resultado não foi o baguete - o trigo, o leite e os ovos franceses certamente têm seu próprio terroir, digamos -, e sim o pão francês. Consistente como massa de pão bemfeita, o pãozinho francês caiu no gosto do povo.


De forma que é um produto nosso, típico, brasileiríssimo. Que, de berço francês, nasceu miscigenado com os ingredientes locais. Escrevi no início de outra herança, a portuguesa. Se o francês é o principal produto, as padarias, essas sim, são, na maior parte, portuguesas. Um - o pão francês - passa necessariamente pela outra - a padaria portuguesa - para chegar às nossas mesas.


Os portugueses fundaram e mantêm redes inteiras de padarias e quem conhece esses estabelecimentos em São Paulo, sabe exatamente do que falo: as padarias, todas, têm peculiaridades, têm diversidade de sabor, com várias receitas portuguesas na parte de confeitaria, por exemplo. São redutos de gulodices as mais atraentes.


No passado, talvez há uns 25, 30 anos, os pães eram entregues em carrocinhas na casa de cada pessoa. Deixava-se uma mucuta (bolsa de tecido) dependurada na porta, o entregador passava e deixava os pães. Pães que eram protegidos por um leve papel de seda que, de tão boa qualidade, servia para copiar os mapas dos atlas nas aulas de geografia. Nossa!!! É impressionante perceber que ambas as coisas acabaram: a confiança de deixar o pão na porta e a qualidade do papel de embrulho. Hoje, cada um que compre o seu e leve uma barata sacola de papel que mal protege o pão.


Se diz do saudosismo que é retrógrado, que é para aqueles que têm receio da modernização e das mudanças. Pois bem! Sou um homem de minha época mas sei perceber claramente a diferença entre o rigor do velho e a precariedade do novo. Tão claro que posso afirmar que a honestidade e a qualidade involuíram, retrocederam, deram passos enormes para trás. Isso, na minha opinião, não tem nada de moderno.

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