O maná indígena

segunda-feira, 13 de abril de 2009


Quando o beato José de Anchieta chegou para catequizar os índios brasileiros, registrou que, em determinada época do ano, os nativos colhiam um maná dos céus. Alegremente, enchiam suas vasilhas com os "frutos" que, torrados, eram consumidos com prazer e avidez.

O consumo desse fruto aéreo, conforme lenda indígena, teria sido ensinado por uma cobra. Ao observarem a cobra e verem que o animal comia o que caía do céu, os índios também experimentaram e gostaram. O maná indígena era, na verdade, formado por formigas, conhecidas como tanajuras ou içás.


O gosto da içá pode remeter ao sabor do camarão. O alimento é apreciado até hoje pelos índios e por caboclos de zonas rurais brasileiras. As içás (Atta cephalotes) são bastante protéicas (44%) em comparação com as carnes de frango (20%) e de boi (23%). Outras formigas como a Atta sexdens, Atta laevigata, Atta bisphaerica, Atta opacipes e Atta capiguara também podem ser consumidas.


O modo de preparo não é muito diferente de outros pratos: em geral, a içá é torrada com óleo e sal como se faz com o amendoim. Outra forma é separar as extremidades (pernas e cabeça) e misturar o abdômen (que concentra mais carne) com alho e farinha de mandioca e fazer uma paçoca. Ainda há os que colocam içás ou tanajuras em garrafas de pinga para dar à cachaça um alegado gosto de mel.

A içá, ou tanajura, é a formiga fêmea da saúva (que compõe as espécies citadas acima). No Ceará, é chamada de formiga de asa ou formiga da roça. Em tupi-guarani, significa "formiga que se come".


Os críticos da entomofagia (que consiste no ato de alimentar-se de insetos) afirmam que comer formigas é costume de gente primitiva e, portanto, de pessoas não-civilizadas. Mas, na China, por exemplo, alimentar-se de insetos foi a forma como muitos chineses encontraram para não morrer de fome. Portanto, eu não considero a prática um ato de selvagens, em absoluto.

De iguaria indígena, o consumo de içás disseminou-se para outras mesas e muitos fazem disso um verdadeiro banquete de formigas. A formiga torrada, de 'fruto' que caia do céu, passou a ser apreciado pelos 'brancos' brasileiros e, durante os meses de setembro e outubro, quando as 'formigas aladas' saem em bandos, muitos a caçam para fazer os preparos. Era comum, inclusive, que se vendessem içás juntamente com biscoito de polvilho, pé-de-moleque, cuscuz, pinhão quente e cará nos tabuleiros das negras forras.


O escritor Monteiro Lobato as definiu, as içás, como "caviar da gente taubateana". Natural de Taubaté, interior de São Paulo, Lobato faz referências várias vezes ao consumo de formiga em sua obra, já que era apreciador das tanajuras.

Se você ainda está intimidado(a) pelo que parece ser um ato selvagem, passo, de raspão, uma receita de paçoca de içá: tire as pernas e as cabeças das formigas. Coloque as formigas de molho em água e sal por 30 minutos. Escorra e leve ao fogo, em frigideira com óleo e mexa para não queimar. Quando as formigas estiverem bem torradas, acrescente farinha de mandioca e mexa até ficar com consistência de farofa. Tempere com alho, sal e pimenta-do-reino. Depois, coloque a farofa em um pilão e adicione mais farinha até obter a paçoca. Sirva com arroz, feijão e o que mais quiser.

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