Para decorar a mesa

quarta-feira, 29 de abril de 2009


É chamada, de forma incorreta, de chicória. Mas a planta tem folhas abertas, com cabeça (folhas justapostas e fechadas) e raiz mais grossa do que a chicória. As variedades mais conhecidas são Catalonha, Pão-de-Açúcar, Radiche (de folha larga), Palla Rossa, Madnesburgo (de raiz) e Spadona. No Brasil, há uma espécie chamada de almeirão-do-mato, que é menos amarga do que o almeirão considerado legítimo.


A hortaliça tem vários nomes populares: almeirão (Chicorium intybus), radiche, almeirão-selvagem, almeirão-de-raiz, chicória, chicória-amarga, chicória-do-café, almeirão-silvestre, chicória-brava e radice-selvagem. Por isso, muitas vezes, o almeirão é confundido tanto com a chicória quanto com o radiche.


E não me espanta que na feira compre-se radiche e leve para casa almeirão, ou compre-se chicória e acabe com o almeirão na mão. Todas essas hortaliças são bastante semelhantes e, a não ser por um experiente olho da dona-de-casa ou do chef, muitos de nós pouco sabemos o que vem a ser uma hortaliça e outra.


O almeirão legítimo é originário de regiões da Ásia, Europa e África. As folhas são, quase sempre, alongadas e podem ser largas ou estreitas, de cor verde ou arroxeada. As flores não condizem com o amargor da planta: são exuberantes, sejam azuis ou roxas. E, como as de abóbora, podem ser comestíveis e caem bem como adorno de saladas. A beleza das flores é tanta que, na Europa, o almeirão é cultivado com fins ornamentais. O almeirão faz parte da mesma família da chicória, do alface, do dente-de-leão e da serralha.


Para consumo, as folhas do almeirão devem estar verdes e firmes. Como todas as hortaliças, ou quase todas, estraga rapidamente. Substitui com louvor outras folhas como a couve, o espinafre e a chicória, tanto em pratos quentes quanto em saladas. As folhas podem ser refogadas no azeite e temperadas com sal, alho e pimenta-do-reino, por exemplo. Mas vai bem também com feijão, arroz, grão-de-bico, soja, lentilhas e até como recheio de bolinhos, tortas e sanduíches.


Para as pessoas que são adeptas da cor verde para misturar na comida, serve como acompanhamento de carne assada, de linguiça e de aves. Já o almeirão roxo, que é mais raro, é menos amargo do que o verde e pode ser consumido até mesmo cru. Para o tempero de salada de almeirão, use e abuse do azeite, da cebola, alho, pimenta-do-reino, vinagre, limão e cheiro-verde.


Meu avó gostava muito do almeirão (acho que era o do tipo silvestre). As folhas alongadas, lembro-me vagamente, sempre estavam lá na horta. Sempre havia um pé de almeirão, conjugado aos pés de agrião.

Tem um percevejo no meu prato

terça-feira, 28 de abril de 2009


A "salsinha árabe", como é chamada no Oriente Médio, é cultivada ou, pelo menos, conhecida, há mais de 3 mil anos. A erva aparece em textos sânscritos, em papiros egípcios e até mesmo na Bíblia, onde suas sementes são comparadas ao maná.


Das coisas que mais gosto dos ingredientes da cozinha são as mais profundas histórias que carregam consigo, verdadeiros traçados que transcendem o tempo. Pois que os chineses acreditavam que esta erva, o coentro (Coriandrum sativum), tinha poderes de imortalização. Pois que deve ter mesmo. Se não para os homens, para si mesmo, já que carrega em si uma perenidade que transpõe a barreira do tempo e avança sobre os milênios mais do que qualquer homem sobre o qual se tenha notícia. Do Oriente Médio, foi levado, pelos romanos, à Europa e daí para as colônias, entre as quais o Brasil.


A erva é bastante apreciada nas cozinhas nortista e nordestina brasileiras. Por experiência, conheço nordestinos que usam o coentro da mesma forma que paulistas, por exemplo, usam a salsa e a cebolinha. Não é um acaso. O coentro é da mesma família que a salsa e o peculia aroma e sabor combina muito bem com pratos à base de frutos do mar (marinadas) e com caldos de peixe. Mas vai bem no feijão, no arroz e até mesmo em toques nas saladas verdes. É, ainda, um dos componentes do curry da Índia.


A longevidade do coentro na história lhe deu nobreza no antigo Egito: suas sementes eram usadas como especiarias. Exceto por Portugal, no entanto, as folhas do coentro não são populares na Europa, ao contrário do que ocorre na América Latina e na Ásia.


O nome 'coentro' vem do grego 'koris', que quer dizer, argh!, 'percevejo'. As folhas e sementes verdes do coentro lembram vagamente o cheiro que o inseto deixa nas camas infestadas (que nojo, não?). A erva também pode ser encontrada sob o desconhecido nome de 'milho tonto' porque, supostamente, quando alguém aspira o aroma de uma semente recém-esmagada, sente tontura.

Ainda que se caracterize pelo cheiro o qual não convém associar com o inseto, para efeito de boa digestão, e tampouco que venha a ser usado para fins alucinógenos, o coentro pode e deve ser usado como bem o fazem os nordestinos, sem parcimônia. É uma erva barata, fácil de encontrar e que sempre dá um gosto mais elaborado a um prato, seja qual for. Da próxima vez que eu for consumir coentro, vou procurar me esquecer do tal do percevejo.

O maná das matas brasileiras

segunda-feira, 27 de abril de 2009


No Brasil, essa árvore é encontrada principalmente nas regiões Norte e Nordeste. No mundo, aparece em regiões tropicais da África e da Ásia. Como que para se defender do alcance humano, a árvore chega a 30 metros de altura, o que torna a colheita de seus frutos uma atividade complicada. Mas nem por isso impossível. A cajazeira (Spondias mombin) produz o cajá (ou ambaló, ambaró, cajá-mirim, cajazinha, tapareba, taperebá, taperibá ou tapiriba).

E olha só uma das funções da cajazeira: fazer sombra permanente para os cacaueiros. A natureza, sábia, pode dar aulas de civilidade e de solidariedade. O cajá é muito apreciado pelo sabor da polpa e, na região da Bahia, é uma das frutas mais comercializadas.


Colhem-se os cajás de forma manual. Como a árvore é alta, um arranha-céu na mata, as pessoas têm que colher os frutos da maneira mais arcaica possível: esperar que os cajás, literalmente, caiam do céu. Pode se dizer que o cajá é uma variante do maná. O período de safra varia - de maio a junho na Paraíba; de fevereiro a maio na Bahia; de agosto a dezembro no Pará; e de janeiro a maio no Ceará.


Como no Brasil não há exatamente uma política de plantio e distribuição das frutas típicas, ao cajá está relegado um comércio bastante precário: venda em feiras livres e às margens das rodovias próximas das matas que o produzem. Claro, há indústrias de processamento de polpa. Mas, tente procurar cajá em supermercados em São Paulo e duvido que você os encontre assim tão facilmente.


Tanto o sabor quanto o aroma do cajá são bastante apreciados. Da polpa, aproveita-se mais de 60%, o que gera um uso bastante amplo da fruta na fabricação de suco, néctares, sorvetes, geleias, vinhos e licores. Por ser bastante ácido, não se consome, usualmente, o cajá ao natural. Por conta de vários fatores, a começar da irregularidade da colheita, a produção dos derivados de cajá não é suficiente para prover nem o mercado consumidor do Norte e do Nordeste. Claro, isso se explica pela precariedade com que se trabalha com a árvore.


Como há que se esperar que o cajá/maná caia do céu/da árvore, no processo de queda muitos cajás são danificados. Esses frutos perdem líquido e entram em processo de fermentação. Para evitar danos maiores, costuma se fazer a (proto)colheita do cajá duas vezes ao dia. Por esses e outros motivos, apenas 30% da produção total são aproveitados para consumo humano. É, como tantos outros, mais um desperdício típico brasileiro. Aliás, se tem algo que é bastante terreiroir é justamente o desperdício.

Vintage

domingo, 26 de abril de 2009


Em 1923, o fermento em pó químico da marca Royal foi lançado no Brasil. Era um produto novo no mercado, importado dos EUA. A embalagem de latinha pequena, vermelha, com pequenas alterações, tem se mantido idêntica desde então, há 86 anos.


Quando lançado no País, o fermento em pó chamava-se Real Fermento Inglez, na grafia do português arcaico da década de 1920. Apenas em 1934 o produto passou a ser feito no Brasil, na cidade de Petrópolis (RJ). Em 1954, foi aberta uma nova fábrica, em Jundiaí (SP), especificamente para a produção do Pó Royal.

A marca tornou-se sinônimo de fermento em pó e, em pesquisas realizadas com consumidores sobre produtos, 96% das pessoas citavam livremente o pó Royal como produto que melhor representa o fermento em pó.

Em 2000, a indústria alimentícia norte-americana Kraft Foods comprou o Pó Royal da Fleischmann e atendeu a uma velha reivindicação dos consumidores: mudou a embalagem de forma que é possível colocar uma colher dentro da latinha. A embalagem antiga tinha uma boca estreita e para se extrair o fermento era necessário usar uma colherzinha de café ou então chacoalhar o pó e misturá-lo aos demais ingredientes, o que sempre implicava numa pequena operação que consistia em equilibrar a quantidade desejada e o eventual desperdício.

Parece que, a princípio, o Pó Royal é o único fermento em pó disponível no País. Na verdade, há dezenas de marcas. Os consumidores, no entanto, lembram-se apenas desta, que é líder de mercado, com mais de 90% de participação. 

The book is under the table

sábado, 25 de abril de 2009


Se a mim me fosse dada a opção de estudar alguma gastronomia in loco, optaria sem ressalvas pela China. A cozinha chinesa é plural. O país, que iniciou o plantio do arroz (alimento mais consumido da humanidade) e inventou o macarrão, tem uma história de cozinha de mais de 3 mil anos de idade e contabiliza mais de 10 mil receitas e 20 cozinhas regionais.


Dessas 20 cozinhas regionais, oito são as mais importantes, também chamadas de escolas culinárias: Sichuan, Shandong, Fujian, Hunan, Zhejiang, Jiangsu, Anhui e Guangdong. Destaque, ainda, para os pratos típicos de Beijing (Pequim) e de Hubei. A China, contemporaneamente, se apresenta como uma das mais fortes economias mundiais, com tentáculos em qualquer segmento que se possa imaginar. Praticamente, o país produz tudo e exporta tudo para todos, seja para o Brasil, para os EUA ou a Finlândia.

Parte dessa influência gastronômica encontra ressonância em cidades estrangeiras como San Francisco e Nova York, nos EUA, com bairros chineses (Chinatown) e respectivas cozinhas típicas que disseminam a gastronomia chinesa. Outras capitais mundiais como Londres, Tóquio e Paris também têm forte presença da China nos restaurantes.

Não por acaso, os pratos de porcelana oriundos da China viraram sinônimo, em inglês, de porcelana, em geral. No Reino Unido e nos EUA, 'china' significa louça de cozinha. Acho que isso coloca a China em posição de destaque em qualquer cozinha mundial.

Parte dessa gastronomia pode ser vista em "O Livro Essencial da Cozinha Asiática" - Paisagem Distribuidora de Livros - 304 páginas, que, apesar de não se dedicar apenas à gastronomia chinesa, serve bem ao propósito de dar aos iniciados ou não os primeiros passos em direção a uma cozinha de cunho chinês.

O livro apresenta fotos, receitas, ervas, especiarias e verduras asiáticas e abrange a gastronomia de 16 países da Ásia: China, Indonésia, Singapura, Malásia, Filipinas, Tailândia, Laos, Camboja, Vietnã, Coreia, Japão, Índia, Paquistão, Birmânia e Sri Lanka.

É bom tanto para quem já está familiarizado com a louça (chinesa ou não) de cozinha quanto para os apreciadores de bons momentos de deleite (de livros ou de comida propriamente dita).

De qualquer forma, eu, que já estive na China (Pequim e Hangzhou - capital de Zhejiang, uma das oito escolas), gostaria, mesmo, de fazer um estágio para aprender as técnicas milenares que unem combinações de doce e salgado, ácido e amargo e yin (ingredientes como melão, banana, pepino, hortelã, tomate, menta, caules e frutos) e yang (pimenta, gengibre, noz moscada, canela e curry). Uma cozinha que se preocupa com o equilíbrio dessa maneira é, na minha opinião, a mais completa de todas.
 

No meio do caminho tinha uma pedra

sexta-feira, 24 de abril de 2009


"É sopa", dizemos, quando temos que fazer algo fácil ou se dominamos determinado assunto, tema ou atividade. É assim desde sempre, quando um frade pobre, em peregrinação, chegou a uma casa e, envergonhado por ter de pedir comida, solicitou aos moradores que lhe emprestassem uma panela para preparar uma sopa de pedra.

Do bornal (ou mucuta ou, em termos atuais, mochila), tirou uma pedra lisa e bem limpa. Os moradores da casa ficaram curiosos e convidaram o frade para entrar na cozinha. Cederam-lhe uma panela. O frade, calmamente, colocou a panela sobre o fogão, apenas com a pedra e disse que precisava temperar a sopa.


A dona da casa lhe cedeu sal e ele sugeriu que um bocadinho de toucinho não ia mal. E começou a mexer a pedra com o toucinho. Mencionou, de passagem, que a sopa ficaria melhor se pudesse ser encorpada, talvez, com batatas, feijão ou qualquer outro ingrediente que lhe desse consistência. Isso feito, tornou a mexer na sopa.


Achou que a sopa estava um tanto descolorida e os donos prontamente lhe deram couve, cenoura, um pedaço de carne curtido e algumas ervas. A mulher sugeriu que se colocasse pimenta. Rapidamente, dois dentes de alho apareceram. O cheiro subia lentamente e o dono da casa achou que ficaria melhor se adicionassem uma beterraba, quem sabe um pequeno pedaço de carneiro da sobra do almoço. Quando tudo estava cozido, a sopa apresentava-se espessa e fumegante.


Os três - o frade, a senhora e o proprietário - sentaram-se e tomaram a sopa devagar, com o viscoso caldo a lhes descer bem no clima úmido. Terminada a refeição, acrescida de grossas fatias de pão feito em casa, o fradeu pediu licença e recolheu da panela a pedra. Lentamente, lavou a pedra, secou e guardou no bornal.


Assim como se faz do limão uma limonada, se faz de pedra uma sopa. É um prato importante na gastronomia mundial. Em geral, é feito com ingredientes de alto valor calórico porque, procura-se, com a sopa, obter calor. Embora as haja, as sopas, também em versão fria como as espanholas (gazpacho) ou as francesas (vichyssoise).

A sopa é rápida e não requer prática de cozinha. Basta se colocar vegetais (cebola, batata, couve, cenoura, abóbora), tempero (sal, pimenta-do-reino, ervas aromáticas) e um ingrediente protéico (carne, peixe, frutos do mar ou frango)! Cozinhe por algum tempo, ao tempo de sua consciência, que, oxalá, lhe recomende em boa medida o que é melhor para si e, voilà!O jantar está servido.


Em tempos outonais como os de São Paulo, atualmente, em que o frio começa a se manifestar com alguma intensidade, nada pode ser mais apreciado do que uma boa sopa. São Paulo tem o caloroso e saboroso costume de começar, nesta época, uma oferta bastante ampla de sopas. Eu recomendo. Assim como defendo que se façam sopas em casa, com todas aquelas aparentes sobras de geladeira.

Mas, a melhor sopa, para mim, é a de mandioca com costela bovina. Primeiro, você cozinha as costelas (pode ser músculo também) na pressão. Quando estiver macia, junte a mandioca (brava, de preferência), e cozinhe por mais uns 15/20 minutos, ainda na pressão. Depois, quando tudo estiver macio, adicione o tempero à vontade e cozinhe por mais algum tempo até que o calor e o aroma lhe façam saber que tudo está no ponto. É de lamber os beiços. A pedra? No meio do caminho tinha uma pedra. E sempre terá, não é?

Eugenia, a difícil

quinta-feira, 23 de abril de 2009


Esse tipo de boi não forma, exatamente, uma boiada. Quer dizer, é mais raro encontrá-lo e tampouco se acha em meio a qualquer pastagem, no açougue ou no supermercado mais próximo. Um dos motivos alegados é que, por ser ácido, o consumo in natura fica limitado.

Penso que o limão é tão ácido quanto e nem por isso menos procurado. O problema com as frutas nativas é que há várias limitantes e uma dessas é a dificuldade de plantio ordenado e em grande escala.


Isso é o que ocorre com a fruta araçá-boi (Eugenia stipitata), nativa da Amazônia. Essa árvore frutífera é da mesma família da goiabeira e da jabuticabeira e põe frutas entre janeiro e maio. O fruto é arredondado, amarelado quando maduro, com muitas sementes e bastante aromático.


O araçazeiro é bastante prolífico: os frutos podem ser comidos ao natural ou usados para a produção de doces, geleias, sorvetes e bebidas; as folhas e os brotos fornecem matéria-prima para elaboração de corantes; as raízes são diuréticas e antidiarréicas; e a casca tem uso em curtumes. A polpa pode ser congelada ou usado para sucos industrializados.


Assim como outras espécies nativas da Amazônia, por ora, esse gado está circunscrito à região amazônica, o que faz com que a maior parte das pessoas desconheça essa e demais frutas de legítimo terroir brasileiro.


É uma pena que, além de a maioria de nós não conhecer o território nacional, estejamos também limitados no que diz respeito à produção natural local.

De como celebrar um rito e ficar a descoberto

quarta-feira, 22 de abril de 2009


Hoje, 22 de abril de 2009, quarta-feira, marcou a data oficial do descobrimento do Brasil. São, portanto, 509 os anos que estamos a descoberto, nus como os primeiros silvícolas avistados pelas naus portuguesas. Por vezes com frio, por outras com calor na bacurinha, vamos, de ventos em ventos, ao Deus dará, quando muito, se outros cobertores não nos aquecem, com uma fina chita ou uma malha fina trançada de artesanato, até transparente, de tão fina.


Assim, de calor ou de frio penamos, posto que estamos descobertos, e não reclamamos não: fazemos do descobertor um manto protetor. De alguma forma, como se diz, Deus há de prover (claro que eu, cético, não acredito nisso). Mas, nem era isso que ia escrever aqui e já me vai a pena (teclado) a traçar o que lhe bem vai no fio (no sem fio, se no computador, porque wireless).


Quero marcar a data porque hoje fechei um ciclo, assim como o Brasil, passado de anos, abre mais um a descoberto. E, assim como o País antes velado, estou desvelado. Foi hoje a minha colação de grau na faculdade de gastronomia. Colação, em latim, é collatione, que significa comparação, ou seja, quando você se compara (ou equipara) a outra pessoa. No caso, eu me equiparei, no papel, a um chef de cozinha. Eu disse no papel. Na prática, é outra história. Assim, colar grau equivale a adquirir o direito legal de ser comparado a outros profissionais da área em questão.

E eis que chego ao âmago do post (não, eu ainda nem comecei, estou prolixo). Ao final da longa cerimônia - das 19:00 às 23:00 horas, com 157 discursos e mais de 300 formandos (gastronomia, hotelaria e turismo, todos juntos), colei grau e sou chef. De nada, sem chapéu, sem fogão, sem história ou receita arrebatadora. Mas, contudo e porém, sou, legalmente (e não loiro), chef.


Assim que foi encerrada oficialmente a cerimônia - realizada no Círculo Militar de São Paulo (obviamente, sem os cadetes trajados em roupas de gala porque não somos, acho, debutantes) -, uma taça, inopinadamente chamada de champagne, nos foi servida. Claro que não era champagne. A bebida champagne tem nome, sobrenome e pedigree, conforme você pode constatar neste link. O que nos foi servido (e eu tinha certeza que seria assim) foi a sidra, que é vinho, ou talvez um aspirante a espumante, de maçãs fermentadas. E, detalhe, sidra nacional (não confundir cidra com sidra; cidra é fruta da cidreira para fazer doces e compotas).


A legítima sidra, procedente de boa colheita de maçãs, tem origem na região autônoma de Madeira, em Portugal, especificamente na região de Santo Antonio da Serra. Terra e serra banhadas pelo oceano Atlântico, tem montanhas e está a uma altitude de 667 metros, o que a torna lugar privilegiado para o cultivo de excelentes maçãs (se diz pêro, também, em Portugal) e, por consequência, uma ótima sidra. A região tem, inclusive, uma mostra anual de sidra.

Pois que para cobrir o post, descoberto que está como o País que abriga este blogueiro, a sidra nacional não tem, exatamente, um terroir. Um dos fabricantes mais tradicionais de sidra no Brasil apenas relata assim a matéria-prima para o fabrico de sidra: "desenvolvida especialmente para sidra, esta maçã (??) é uma variedade mais específica". Bem, como há mais de 7,5 mil espécies de maçã em todo o mundo, fico sem saber e deixo falto desse conhecimento também o(a) leitor(a).


De forma que celebrei colação de grau, descobrimento do Brasil e um ciclo que se fecha, que eu defino como mais um rito de passagem, com a legítima sidra brasileira, sem saber o que, exatamente, eu bebi. Melhor assim. Ficamos, o Brasil e eu, a descoberto, prontos para novas e instigantes (e espumantes) aventuras.

Engula rãs, e não sapos

terça-feira, 21 de abril de 2009


Hoje de manhã, feriado de Tiradentes, eu estava acordado ainda e, ao zapear pela TV, parei no programa da Ana Maria Braga. OK, eu assisto, de vez em quando. #prontofalei! E adoro a 'casa' dela, no meio daquele verde todo, com aquela cozinha que faz a cabeça (ou o chapéu) de qualquer chef, com panelas francesas, fogões industriais e todos aqueles ingredientes fresquinhos e bonitos que somente uma boa produção consegue obter.


E na manhã desta feriado, Ana Maria, que é formada em zoologia, apresentou pratos feitos com rãs comestíveis. Uma meia dúzia de pratos. Uma delícia! Eu gosto de rãs desde que, no interior, descia o Rio Turvo de boia, no comecinho da noite, para caçar o anfíbio. Depois, fritávamos a rã para comer com cerveja.


Aqui em São Paulo, se eu não me engano, o restaurante Moraes servia carne de rã. Olhei no site e não achei referência a essa carne. Acho que alguns restaurantes mais sofisticados devem fazê-lo.

A carne de rã, a princípio, é consumida por gourmands e por pessoas que não se intimidam com a carcaça, o aspecto ou, antes de tudo, com a imagem que tem determinado ingrediente, seja animal, vegetal ou marítimo. Eu, pelo menos, experimento antes de dizer se gosto ou não.


E a Ana Maria Braga fez exatamente esse discurso ao mostrar os girinos e fases evolutivas e, depois, consumir para o telespectador os mais diversos pratos de rã. Apenas por isso, eu já gosto dela (#prontofalei de novo).

Existem diversas espécies de rãs comestíveis. No entanto, a mais indicada para a produção comercial é a rã-touro ou rã-americana (Rana catesbeiana). Como o sobrenome diz, essa espécie é originária dos EUA e foi trazida ao Brasil em 1935, onde se adaptou perfeitamente às condições climáticas. Os ranários brasileiros produzem cerca de 500 toneladas de rã por ano, e boa parte é exportada, principalmente para os EUA e França. O comércio interno é restrito tanto pelo preconceito contra a carne do anfíbio quanto pelo preço que, para o consumidor final, chega a R$ 40 o quilo. É caro. Além dessa espécie, há uma rã nativa, a rã-pimenta (Leptodactylus labirinthicus), que tem ótimo sabor e é mais rica em proteína do que as demais rãs. Essa era a rã que caçávamos no Rio Turvo.


Para não tomar sapo por lebre, ou melhor, sapo por rã ou perereca, é bom que fique claro que apenas algumas espécies de rã são comestíveis. Embora os três animais sejam anuros, os sapos e pererecas não se prestam ao consumo.

E como comer rã? Como se come um galeto de frango ou um peixe frito na hora. A rã, inclusive, assemelha-se, no sabor, tanto ao frango quanto ao peixe. Pode ser comida frita, assada, como recheio de empadas e coxinhas, ao molho e até mesmo pode-se fazer uma moqueca de rã. É como o frango e o peixe, que podem ser usados como matéria-prima principal de um prato ou como ingrediente. Eu recomendo, de verdade. Mas não precisa sair por aí a coaxar ou macaquear para adquirir rãs. No Mercado Municipal, em São Paulo, é possível encontrá-las prontas, limpas para cozinhar.

Orvalho do mar

segunda-feira, 20 de abril de 2009


Essa planta, de alguma forma, estará, para sempre, intrinsecamente relacionada à minha faculdade de gastronomia porque foi o arbusto que deu nome ao meu (nosso) Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), cuja abordagem foi extensamente desenvolvida nestes posts aqui.


Em latim, o significado é poético - orvalho do mar (rosmarinus). Mas o alecrim (Rosmarinus officinalis) vem do calcário, do duro solo mediterrâneo. Que vem a ser fruto marítimo, sim, porque, onde há calcário, um dia houve um mar que o cobriu.


Há uma grande variedade que pode ser cultivada como planta de paisagismo, para dar vida ao jardim: albus (de flores brancas), arp (de folhas verde-claro e com leve cheiro de limão), aureus (folhas com pintas amarelas), benenden blue (com folhas estreitas, de um verde-azulado-escuro), blue boy (espécie anã, de folhas pequenas), golden rain (de folhas verdes com raios amarelos), irene (de ramagem rastejante), lockwood de forest (variação rastejante da espécie Tuscan blue), ken taylor (arbustivo), majorica pink (com flores cor-de-rosa), miss jessop's upright (planta alta e ereta, como um pequeno cipestre), pinkie (com flores cor-de-rosa), prostratus (rasteira), pyramidalis (ou erectus, com flores azul-pálido), roseus (com flores cor-de-rosa), salem (com flores azul-pálido, resistente ao frio), severn sea (planta baixa, com ramos em arco e flores violeta) e tuscan blue (ereta).


Como se vê, o alecrim tem tonalidades as mais diversas e abrange um grande espectro de cores. E também de aroma. Fresco ou seco, é usado para cozinhar. Melhor fresco, como todas as ervas, hortaliças, frutas e verduras. Pode ser adicionado no preparo de aves, caça, carne de porco, salsichas, linguiças, batata, em assados de carneiro, cabrito e vitela(o), em carne de churrasco e, aqui, um registro: é recomendável espalhar ramos sobre as brasas do carvão aceso para perfumar a carne.


Aqui em São Paulo, são vários os restaurantes que servem carne de carneiro com alecrim. Mas, e sem qualquer sintoma fraterno, estou ainda para provar carneiro com alecrim melhor do que o meu irmão prepara. É único. Inconfundível. Queda bem em qualquer mesa clássica que sirva um pernil de carneiro ao alecrim.


O alecrim é uma das ervas que melhor se presta à finalização da decoração de um prato. Com folhas duras, perfeitos pequenos ramos fecham com galhardia qualquer prato. Especial para se usar com peixes, o alecrim é uma das mais eficientes plantas para aromatizar azeites e vinagres. É uma erva nobre: faz parte das Herbes de Provence (ervas de Provença), que é um arranjo da cozinha francesa que consiste em usar, junto, em ramalhete, o manjericão, o tomilho, orégano, sálvia, tomilho, louro e o alecrim. As Herbes de Provence são usadas para assados, grelhados, peixes e até mesmo salada.


Presume-se que chegou ao Brasil pelas mãos dos portugueses, quando de sua chegada na terra brasilis. De fácil adaptação, o alecrim espalhou-se por todo o País e, para coroar a integração na seara do pau Brasil, foi devidamente assimilado também pelo esotérico: o alecrim, além de pertencer ao ramalhete das Herbes de Provence, também é uma das sete ervas que, para efeito esotérico, ajuda a combater o mau olhado e as energias negativas. As demais ervas são a arruda, a guiné, a comigo-ninguém-pode, a espada de São Jorge, o manjericão e a pimenteira. Na minha opinião, o alecrim é um ingrediente que deve estar sempre à mão na cozinha. Funciona como o coringa do baralho: é funcional e se aplica em várias situações. Fundamental, vigoroso e generoso.

Vintage

domingo, 19 de abril de 2009


A paçoca Amor é uma cinquentona. A fórmula que une amendoim, sal e uma sensação que esfarela na boca existe desde 1959. A marca e a fórmula, que eram da brasileira Sing's, foram adquiridas pela multinacional suíça Nestlé em 1993 e, posteriormente, em 2001, pela fabricante Arcor, da Argentina, que recentemente, relançou a paçoca de amendoim.


Considerada um clássico no universo dos doces, a paçoca Amor passou por uma renovação tanto na embalagem quanto no processo de fabricação. Mas, na essência, a memória gustativa que muitos de nós associam com essa paçoquinha permanece.

A nova fórmula, sob a gestão da Arcor, levou oito meses para ficar pronta. Feita com ingredientes naturais, a nova paçoca Amor (e também a linha Amor) foi desenvolvida na fábrica da Arcor em Bragança Paulista, interior de São Paulo.

Tanto a paçoquinha quanto a família Amor foram adquiridas pela Arcor em 2001, quando a empresa argentina comprou a linha Kid's da Nestlé. Essa linha inclui doces e guolseimas como as balas 7 Belo, o Poosh, Pirapito e a linha Amor. Embora tradicionais marcas nacionais da área de doces e guloseimas, essas linhas foram, pouco a pouco, adquiridas por multinacionais.

E, ainda que tenha passado por um processo de renovação, a paçoca Amor permanece praticamente igual. Para mim, pelo menos, sempre causa uma sensação de felicidade quando, numa mordida, delicados pedacinhos de amendoim doce-salgado-doce-salgado esfarelam-se dentro da boca.

The book is under the table

sábado, 18 de abril de 2009


A gastronomia, como outras atividades culturais, suscita a filosofia. Quanto mais se cozinha, mas se associa o ato de produzir pratos à prática do pensamento e miscigenações entre cozinha e salas de filosofia. Conforme leio mais a literatura gastronômica, mais me parece apropriada a interconexão entre um exercício e outro.


É disso que trata o livro "A Cozinha do Pensamento" - Josep Muñoz Redón - Senac - 223 páginas. "A gastronomia é a arte de condimentar os alimentos para produzir felicidade", diz o autor. A felicidade, para mim, está nas faces que se iluminam ao provar da comida que eu acabei de fazer. Pode estar também no pensamento de um escritor que disse exatamente aquilo que eu precisava ler naquele momento.

No livro, Redón classifica filósofos como Bacon, Sartre, Kant, Voltaire e Sócrates em doce, salgado, ácido e amargo, não necessariamente nessa ordem. É uma associação livre, sem método científico, mas que permite supor que todos temos sabores que variam conforme a frequência na qual estamos sintonizados. E que fazem com que, ao nos misturarmos a outras pessoas, condimentamos os outros e somos condimentados, de maneira a produzir (ou não) felicidade. Somos ingredientes, enfim.

Um dos aspectos interessantes desse livro são as receitas que se encaixam conforme a estrutura filosófica abordada. E os vários enigmas sugeridos pelo autor. Para mim, soa perfeito unir comida e literatura.

Vou te contar uma fofoca

sexta-feira, 17 de abril de 2009


O que é uma fofoca? Um mexerico? Um segredinho bobo que contamos uns para (e sobre) os outros e nos rimos? Fofocar é dos passatempos mais populares da humanidade. Pode ser dos vizinhos, de conhecidos, de amigos, da família ou de estranhos. Mas sempre é divertido. A não ser quando a fofoca toma proporções de calúnia, injúria ou difamação e transforma-se em caso de polícia. Mas o que a fruta tem a ver com isso? A mexerica? Por que mexerico?


Não encontrei relação entre a fêmea/fruta e o macho/fofoca. Talvez seja pela associação entre gomos e fatos que, contados das mais variadas maneiras, transformam-se em gomos de fofocas. Contudo, a fruta passa longe de ser um mexerico. Mexerica é o jargão popular para a tangerina (Citrus reticulata), que também pode ser mandarina, bergamota, vergamota (no Sul) e até mimosa (Paraná). Vem da Ásia (China e Índia) e se dá bem em países tropicais como o Brasil (somos o quarto produtor mundial).


As variedades mais conhecidas da tangerina são a mexerica, a poncã, a dancy, a laranja-cravo (ou tangerina-cravo), a montenegrina e a dekopon. A murcott é uma espécie híbrida, mistura de tangerina com laranja, usada especialmente para a produção de sucos.


A mexerica ou tangerina é consumida, preferencialmente, ao natural. Mas é possível fazer compotas, doces e geleias, inclusive com o uso da casca da fruta. A poncã (ou ponkan) e a mexerica equivalem em sabor e aroma. Mas a mexerica, na minha opinião, é mais saborosa. A mexerica tem, na casca, mais óleos essenciais (substância que provoca o cheiro forte e ácido) do que a poncã.


Os cítricos, na maior parte das plantas, surgiram todos de países como a Índia, China, Birmânia e Malásia. Dessas regiões, foram levadas para o norte da África e para o sul da Europa (ainda na Idade Média). No Brasil, a primeira referência sobre a tangerina aparece em 1817, pela pena do padre português Manuel Aires de Casal.


As espécies mais consumidas, ainda que semelhantes, têm sabores e aromas distintos:

- Poncã: da espécie CitCitrus reticulatarus reticulata, com gosto mais doce e frutos mais ácidos. Dessa família, a tangerina-cravo é um tipo de fruta que amadurece mais rápido do que a poncã e tem frutos ainda mais ácidos.


- Mexerica: a espécie, Citrus deliciosa, produz frutos menores e um pouco mais ácidos do que a poncã. É uma das espécies mais encontradas - a mexerica do rio.


- Murcott: fruta híbrida (murcote ou morgote), resultado do cruzamento da laranja e da tangerina. É aquela fruta em que a casca não se solta com facilidade. É matéria-prima para sorvetes de tangerina.

Da cor do dourado

quinta-feira, 16 de abril de 2009


Às vezes, eu gosto de dar uma cor no branco do arroz. Ou mesmo de dourar um ensopado, um frango ou uma carne de panela. No Brasil, há um recurso para "avermelhar" a comida: o coloral (ou urucum, que é o nome mais adequado, na minha opinião). Mas, para dar a tonalidade de dourado na comida, não existe condimento melhor do que o açafrão. Exceto pelo fato de que o legítimo açafrão é a especiaria mais cara do mundo: custa entre R$ 30 mil e R$ 35 mil o quilo (cerca de US$ 10 mil).


Para obter efeito similar (mas nunca equivalente, note!), usa-se bastante no Brasil o açafrão-da-terra ou cúrcuma (também chamado de açafrão-da-índia, açafroa e gengibre amarelo). Esse condimento foi introduzido no País pelos portugueses e é nativo da Índia e da Indonésia.


O pó que conhecemos como cúrcuma é extraído da raiz seca, que é moída. Usa-se a cúrcuma para uma infinidade de aplicações na gastronomia: do preparo do curry à coloração de derivados de leite, de bebidas, mostarda a tempero para cozidos, sopas, ensopados, molhos, peixes, massas e até mesmo pão. A cúrcuma é um condimento que acentua o sabor dos pratos. Para ser usada, deve ser dissolvida, preferencialmente, em caldo quente antes de ser incorporada aos pratos.


No Brasil, há um limitado cultivo de açafrão-da-terra (Curcuma longa) em Goiás, São Paulo e Minas Gerais. São pequenos produtores que plantam a erva que depois se transforma em especiaria. Esses agricultores estão concentrados na região de Mara Rosa, que produz anualmente cerca de 700 toneladas de açafrão-da-terra seco.


Depois disso, é processado pela indústria para, finalmente, transformar-se tanto em produto final, vendido em embalagens prontas para o consumo puro ou como matéria-prima para uma série de produtos que também serão consumidos como caldos industrializados ou margarinas.


Agora, se você tiver oportunidade de experimentar o legítimo açafrão, principalmente num prato que leva a melhor quando feito com essa especiaria como a paella, não deixe de fazê-lo. Ao menos uma vez, se possível, todo e qualquer sabor de qualidade deve ser devidamente apreciado.