O charque é a carne vacum (bovina) - feito a partir de peças de primeira como o coxão-mole, o contra-filé (lombo), a alcatra e o lagarto (ou tatu) - que é salgada e deixada ao relento - ou sereno - para curtir, durante a noite. Em Santa Catarina, na região do planalto - cidades de Lages, Urupema e São Joaquim - e na serra - cidades de Santo Amaro da Imperatriz e Timbó - há uma variável do charque, específico dessas localidades, chamado de "frescal", que é exposta ao ar livre apenas durante a noite, no sereno.
Em geral, pela técnica do charqueamento, coloca-se sal na proporção de 3% do peso total da peça de carne. Na primeira fase, a carne descansa em recipiente próprio (de preferência, gamela) por 24 horas. Em segunda fase, a carne fica mais 48 horas na sombra - melhor no sereno, sem chuva. Esse método de conservação, antigo e primitivo, do tempo em que sequer se imaginava a existência de refrigeradores, é capaz de manter a carne boa para consumo em até 48 horas, quando a estação é de calor, e em até 72 horas, para as estações frias. Note que, se conservada em geladeira, a carne perde a suculência e a propriedade tenra.
No século XIX, o charque era o principal produto econômico do Rio Grande do Sul. Mas, antes do processo de charqueamento, a carne era praticamente desprezada nos campos gaúchos porque os criadores usavam apenas o couro.
Quem deu início à técnica do charque no Rio Grande do Sul foi o português José Pinto Martins, da Freguesia de Meixomil, do Conselho de Paços de Ferreira, Porto (na região Entre Douro e Minho). José migrou do Ceará para o Rio Grande, no Rio Grande do Sul, em 1777, em função da seca do Nordeste. No Ceará, era fabricante de carne-seca. O português percebeu que algumas cabeças de gado eram abatidas para o consumo humano de carne e de gordura e que outras eram mortas apenas para a extração do couro que, num processo antigo, eram estaqueados (abertos com estacas, processo usual no interior de São Paulo até há bem pouco tempo) e colocados ao sol para secar. De resto, tudo o mais se perdia dessas cabeças de gado. A partir daí, o português começou a charquear a carne, assim como fazia no Ceará.
O charque e a carne-seca são praticamente sinônimos. O que as difere é a quantidade de sal usada no processo de salga da carnes. Assim, usa-se a expressão carne-de-charque no Nordeste, por exemplo, e carne-seca é usada principalmente na região Sudeste.
A princípio, como muitos outros tipos de alimentos, o charque era usado principalmente para alimentar os escravos (e o bacalhau, à época, também). Praticamente, o Brasil era o único país produtor de charque. Havia variáveis do processo no Uruguai e na Argentina, mas, o Brasil dominava a maior parte da produção na região latina.
Assim como ocorreu com outras produções, a preparação do charque se adaptou e mudou. Atualmente, se faz charque de carnes mais nobres, como a vitela. As peças de vitela são cortadas em mantas e o uso do charque é bastante apreciado na elaboração de pratos como Arroz de Carreteiro, Roupa Velha (ou Charque Desfiado) e Charque Farroupilha, todos pratos típicos regionais gaúchos.
A diferença entre a carne-de-sol (Nordeste) e o charque é que a carne-de-sol é cortada, ligeiramente salgada e guardada em locais cobertos e ventilados (no Sul, são expostas à ação do tempo). No processo de preparo da carne-de-sol, o clima ideal é o bastante seco, condição perfeitamente atendida pelo clima semi-árido de algumas regiões do Nordeste. A carne-de-sol tem uma secagem bastante rápida e essa secagem forma uma casca protetora (como uma casca de ovo) que conserva o interior da peça de carne úmida e tenra.
Das três carnes desidratadas - charque, carne-seca e carne-de-sol - a carne-de-sol é a que cozinha com mais rapidez.
Para o processo de preparo da carne-seca, conhecida também como carne-de-vento, carne-do-sertão, carne-do-Ceará, carne-do-Sul ou jabá (do tupi yaba, que significa fugir, se esconder), a carne é esfregada com uma grande quantidade de sal e empilhada em lugares secos. Essas mantas de carne são constantemente mudadas de posição para facilitar a evaporação. Depois, são estendidas em varais, sob o sol, até que o processo de desidratação esteja completo.
Por fim, o charque (do quíchua xarqui; o povo quíchua eram indígenas dos Andes) é preparado quase que de forma similar à preparação da carne-seca. A diferença está na quantidade de sal usada e no tempo de exposição ao sol, que é superior ao tempo da carne-seca.
Há, ainda, alguns outros detalhes na preparação das carnes desidratadas. O sal usado para a carne-de-sol é mais fino do que o usado para a produção de charque. No Nordeste, a carne-de-sol pode ser bovina e caprina e, ao contrário do charque, não é exposta ao sol, a despeito do nome. A carne-de-sol era antes chamada de carne-de-vento (conservação em local coberto e bem ventilado) e é feita de cortes de toda a carcaça bovina. O charque é feito apenas de carne.
Veja algumas diferenças (e semelhanças) de nomes entre o charque a carne-de-sol:
- Charque: carne-seca, carne-do-sertão, xergão, chalona, xarqui, jabá ou paçoca.
- Carne-de-sol: carne-de-sertão, carne serenada, carne-de-viagem, carne-mole, carne-do-vento, cacina e carne acacinado.
No Brasil inteiro se apreciam as receitas com as carnes desidratadas - seja o charque, a carne-seca ou a carne-de-sol. Na região Centro-Oeste, come-se a Carne-seca com Banana, em Minas Gerais, a Canjiquinha Mineira, na Bahia, a Dobradinha Baiana, em Pernambuco, o Escondidinho de Charque, além de pratos nacionais como a Feijoada e as farofas, as mais diversas.
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