Bicho do pau

quinta-feira, 20 de novembro de 2008


Foi publicado no jornal Folha de S.Paulo desta quinta-feira, 20, um artigo assinado pelo chef Alex Atala (D.O.M. e Dalva & Dito) sobre a visita ao Pará e Amazônia na qual ele foi o anfitrião de dois dos chefs espanhóis mais famosos da atualidade - Ferran Adrià e Juan Mari Arzak. A íntegra do artigo está neste link. No artigo, Atala comenta, entre outras coisas, sobre a surpresa dos estrangeiros diante do turu.


O turu é um molusco que vive em árvores em estado de putrefação, ou podres, em locais como a Amazônia e a Ilha de Marajó. São como os caranguejos dos mangues de Pernambuco: vivem apenas em troncos apodrecidos e é preciso se enfiar na lama para apanhá-los. Outros peixes exóticos, como o tralhoto (ou quatrolho), podem ser encontrados no mangue amazônico.

O molusco é apanhado diretamente do tronco: os ribeirinhos cortam os troncos podres e os turus saem para a superfície. Assemelham-se a macarrões do tipo spaguetti ou a minhocas de maior porte. Ou, se você não sentir nojo, parece-se mesmo é com uma lombriga branca e leitosa. Assim que a moradia do turu é devassada, o molusco morre.


São compridos, com até um metro e meio, e espessos até a circunferência de um polegar. Muitas vezes, o apanhador de turu carrega o tronco ao invés de "colher" os turus. Exatamente como Atala fez no jantar que serviu aos espanhóis no D.O.M.

Os turus podem ser comidos crus e, popularmente, acredita-se que o molusco é afrodisíaco, motivo pelo qual é um dos pratos preferidos dos moradores da Ilha de Marajó. Por conta da moradia, e talvez por essa outra função, o turu é conhecido também como "bicho do pau". Para se comer o turu, deve-se abrir o ventre do molusco para retirar o sistema digestivo, exatamente como se faz com os peixes, de forma geral. Então, basta temperar com sal e limão e consumi-lo como ostra, em processo de sucção. OK, OK, um chupão!


(Caldo de Turu)

E, a propósito, o sabor do turu é comparado à ostra, ao mexilhão e mesmo à polpa de coco verde. Na Ilha de Marajó, come-se, ainda, uma larva, o tapuru, que vive dentro do coquinho de tucumã e que deve ser frito. É uma herança indígena. Os índios sempre comeram as larvas que vivem em troncos de árvore. O turu pode ser consumido em caldo ou frigideira de turu, além de cru.

No jantar que ofereceu ao chefs espanhóis que participaram do evento Semana Mesa SP, Alex Atala pode se divertir com o espanto dos europeus diante do turu. Me ocorre que foram necessários alguns séculos - cinco, para ser mais específico - entre a descoberta do Brasil pelos europeus (portugueses) e a redescoberta de ingredientes da terra de novo pelos europeus (espanhóis). Ingredientes esses que fazem parte da dieta indígena de forma milenar.

P.S. Já que toquei no assunto e estamos próximos daquela data comercial bastante popular, vou dizer de uma vez. Se você tem alguma dúvida sobre qual presente me dar neste final de ano, seus problemas acabaram: o nome é "Escoffianas Brasileiras" novo livro do Alex Atala, que eu quero porque quero. Pronto, falei!

Comments

2 Responses to “Bicho do pau”
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Anônimo disse...

Pior que o Alex resolveu abrir um tronco na palestra do último dia e a platéia, de uma maneira geral, também ficou bastante espantada e com nojo daqueles bichos. Nem nós conhecemos nosso país e nossos ingredientes.

21 de novembro de 2008 às 10:38
Redneck disse...

Tati, quanto mais eu me debruço sobre os ingredientes nacionais, mais eu me surpreendo com as informações que eu desconhecia. Felizmente, começam a ser publicados livros específicos sobre o assunto, já que, se o Brasil tem alguma tradição, a mais simbólica é a de se desconhecer e ao que produz. Beijo!

23 de novembro de 2008 às 23:59