Manifesto Terreiroir

domingo, 12 de outubro de 2008

Este blog surge da minha inconformidade com o fato pisado e repisado de que apenas aos europeus - franceses, mais especificamente - são creditados os valores do terroir.


Me manifesto para dizer que temos terreiros, em oposição ao terroir.

Para afirmar que na minha terra tem palmeiras, tem coco, caju e abacaxi.

Para dizer que em terra brasilis, "em se plantando, tudo dá."

Para derrubar o mito de que o bom é caro, mata ou engorda.

Para viajar na gastronomia nortista, nordestina, do centro-oeste, do sul e do sudeste.

Marinetti - do Manifesto Futurista - é a minha referência para que eu estabeleça os mandamentos do meu Manifesto Terreiroir:

1. Quero cantar o amor à terra, ao quintal da infância, à comida caseira, aos cheiros, aos porcos de chiqueiro, às galinhas de casa.

2. Os elementos essenciais do meu terroir serão a terra roxa, o orvalho das manhãs, o sol do meia-dia e o sereno do entardecer.

3. Quero exaltar o gosto da cebola na gordura caseira, do alho no tempero do feijão, do arroz soltinho, do bife ao ponto e do ovo frito.

4. Declaro que é melhor experimentar antes um torresmo com limão do que enaltecer as virtudes de um pato adocicado.

5. Quero cantar a comida que o homem faz e o que o homem faz com a comida.

6. É preciso que se apanhe a lenha, que se acenda o fogo nas rachas e que se cozinhe fervorosamente até que do caldeirão sobressaia o espesso caldo do doce de pêssego feito em casa.


7. Não há mais beleza na cozinha? Faça bolinhos de chuva. A gastronomia de terreiro reza que se pegue o frango no pasto, a salsa e a cebolinha na horta, o alho, a cebola e a panela. O frango de panela deve convidar para a mesa.

8. Estamos no século XXI. Quereis olhar para onde mais? Para a lua? Para o oceano? Vale o aqui e o agora e o mundo lá fora ficou caro. Voltemo-nos aos próprios umbigos.

9. Desejo glorificar o pirão de peixe artesanal, o caldinho de feijão, o feijão com ovo frito e desprezar os processos industriais que matam a essência dos ingredientes.

10. Quero demolir os louvores à trufa negra que chega a preço de diamante.

11. Cantemos para o cozinheiro que se aperta na chapa, para a mão sublime do sushiman que nunca come o peixe raro que serve à mesa, do cummin que corta batatas às centenas e come arroz, feijão e pão.

Meu Manifesto está lançado. Aceito manifestantes que comigo concordarem para alimentar esse terreiro de idéias, de sementes, de colheitas. Trazer de volta a lavoura arcaica perdida na lembrança pouco nítida das gerações passadas.


Eu comi:

- Porco matado em casa
- Pão feito em forno à lenha
- Doce de pêssego de caldeirão
- Arroz de panela de ferro
- Doce de leite que veio direto da mangueira
- Manga no pé
- Melancia na roça

Você lembra de alguma comida que marcou sua infância? Do gosto e do cheiro? De como sente falta daquele tempero? De como não o encontra ou, por vezes, sente no ar aquele sabor familiar? Cadê? O quê?

Comments

2 Responses to “Manifesto Terreiroir”
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alfa17 disse...

cheiro a café com leite, com mistura de chávena...sabor a morangos e mel, que nunca mais. os morangos eram feios e mirrados mas deliciosos. o sabor das amoras acabadas de colher, com as próprias mãos, directo do arbusto...o bolo com bolacha e manteiga, amendoado, da avó...e a visão de tudo. tudo maior e mais límpido, as manhãs com cheiro de terra molhada e domingos com sabor a regueifa!...

12 de outubro de 2008 às 04:54
Redneck disse...

Brother, obrigado pela visita e pelo comentário, bastante apropriado às propostas do Terreiroir. Tudo sempre remete a um passado. Você percebeu o quanto a comida nos conecta aos bons momentos e dificilmente nos leva aos maus? É isso que aprecio na lembrança das boas mesas de outrora. Abraço, from my Arms!

13 de outubro de 2008 às 01:47