A rosa fétida

quinta-feira, 12 de março de 2009


A referência mais antiga que se tem do alho vem da Bíblia, quando Satã foi expulso do Paraíso e, ao caminhar, deixava alhos a brotar das pegadas esquerdas e cebola das pegadas direitas. De forma que o casamento entre alho e cebola esteve, desde o início, predestinado a ser consumado.

Mas, na vida real, não se sabe exatamente quando e onde o alho "surgiu", quer dizer, quando foi devidamente assimilado pelo homem. Os registros mais confiáveis apontam para o uso do alho há mais de 6 mil anos, em regiões que vão do mediterrâneo europeu ao solo asiático, com passagens pela Sibéria e Egito.


Assim como o sal já foi moeda, o alho também o foi: no Egito, sete quilos de alho pagavam um escravo e, na Sibéria, os impostos eram pagos em alho. Desde o princípio, o alho foi usado para conservar carne. Detalhe: carnes comestíveis e carne humana, ainda que eu soe redundante posto que se come carne humana, de uma forma ou de outra. Os egípcios usavam o alho durante o processo de embalsamento de cadáveres. Nesse caso, se você é o que você come, você é o que você morre também. Não sei dizer se o fato é verdadeiro, mas, no túmulo do faraó Tutankamon foram encontrados seis dentes de alho e também em cemitérios pré-históricos consta que havia bulbos de alho moldados em argila. Em ambos os casos, a presença do alho serviria para afastar maus espíritos.


Sempre que se recorre à entrada de determinado ingrediente no Brasil, as informações são bastante imprecisas. Assim é também com o alho: consta que a hortaliça chegou com as caravelas de Pedro Alvares Cabral. Mas, para passar de planta de fundo de quintal à condição de cultura de grandes proporções, foram cinco longos séculos: o alho era cultivado apenas em pequenas quantidades. Depois, tornou-se lavoura intensiva, em larga escala.

Se o alho percorreu um longo caminho para popularizar-se em todo o mundo, uma vez tendo atingido as regiões - Sibéria, Egito, Índia, Grécia, Oriente Médio, China, Rússia e Europa -, tornou-se nobre. São poucas as cozinhas mundiais, atualmente, que dispensam o uso do alho como tempero de base.


O alho (Allium Sativum) pertence à mesma família da cebola e da cebolinha. O plantio é feito por bulbos (bulbilhos) ou pelos dentes. O bulbo é a chamada "cabeça", com dez ou 12 dentes cada. Claro que, assim como outras culturas, o alho tem as mais variadas espécies. Estima-se que hajam mais de 600 subespécies de alho em todo o mundo. As características de cada espécie ou subespécie são dadas pelo tamanho, forma, sabor, número de dentes por bulbo, acidez e capacidade de armazenamento.

Se o uso na gastronomia é ostensivo, o alho sempre esteve ligado, em igual medida, ao uso medicinal. Ao alho são atribuídas vastas propriedades terapêuticas, inclusive com poder de cura, segundo os especialistas.


Na cozinha, o alho pode ser usado das mais diversas formas: cru, refogado, picado, em rodelas, salteado, defumado, em conserva e qualquer outro uso que se possa imaginar. Vai bem com tudo: arroz, feijão, carnes, massas, peixes, aves. Não há limites para o uso do alho.

No entanto, o alho é como algumas pessoas: ou você as ama ou as odeia. Não há possibilidade de se gostar do alho pela metade. Uma curiosidade: enquanto na cozinha européia e outras prepara-se o refogado do casal cebola-alho na sequência cebola primeiro e alho depois, a autêntica cozinha brasileira determina que o alho é o primeiro a ser refogado e depois a cebola. 
Experimente fazer isso no dia-a-dia com o arroz e o feijão. Garanto que você gostará do resultado final. O segredo está em refogar o alho em fogo brando o bastante para não queimá-lo até que se adicione a cebola.


E, se você duvida ainda que o alho combina com tudo, veja só: sorvete e drink à base de alho. Nos EUA, há um restaurante temático do alho, o The Stinking Rose (algo como "cheirando rosa", na tradução, em referência a 'stink rose', ou rosa fétida, que é uma das definições para o alho), que privilegia o uso da hortaliça nas produções.

E, claro, eu não poderia deixar de citar o uso do alho contra vampiros. Se eles existem? Desde que tenho assistido "True Blood", tenho torcido para levar uma mordida. Eu, fácil, fácil, nem usaria alho, pelo menos dessa vez.

Comments

2 Responses to “A rosa fétida”
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Anônimo disse...

O que seria da comida portuguesa sem o alho...quase tudo leva alho, pelo menos, aqui em casa. O meu pai até tem um livro do alho, tal é o amor pela "rosa fétida". Por isso, viva ao alho.

beijo

Ana

17 de março de 2009 às 21:35
Redneck disse...

Ana, desconheço comida brasileira que não leve a indefectível combinação alho-cebola. O alho está irremediavelmente atrelado à cozinha mundial, eu creio. Que bom, desde que você não vá beijar ninguém logo depois das refeições. Beijo (sem alho!)!

18 de março de 2009 às 20:31