Pele que estala

quarta-feira, 18 de março de 2009


"É a maior contribuição do brasileiro à cozinha mundial", afirmou o pintor francês Jean-Baptiste Debret, que a conheceu e a retratou no Brasil. Mas, a origem é ainda anterior à civilização indígena brasileira. Mais especificamente, remonta a 7,3 mil anos, período o qual se calcula para o aparecimento das primeiras e rudimentares culturas do milho.


O milho-pipoca, efetivamente, teria sido descoberto por obra do acaso quando, em algum momento, os grãos pequenos de uma variedade de milho caíram no fogo e estouraram, estalaram a pele e desabrocharam em pequenas e comestíves flores brancas.


De forma que, da condição de semente à de flor, o milho virou pipoca e entrou na dieta dos povos americanos nativos (principalmente os astecas). Claro que, na cultura dos astecas, a explosão do milho em flor explicava-se pelo registro do sobrenatural. Para eles, espíritos se escondiam dentro da casca dos duros grãos. Por essa razão, inicialmente, os astecas usaram a pipoca como enfeites em festas rituais, em cerimônias fúnebres e como ornamento de estátuas dos deuses.


Essa função ritual, aliás, é compartilhada pelos africanos no candomblé. Para os adeptos do candomblé, a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação pela qual devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. 

Em outras palavras: o milho da pipoca não é, originalmente, o que deve ser. O milho somente o é (pipoca) depois do estouro. Sem o estouro, é apenas milho. E a transformação passa pelo poder do fogo. Eu gosto dessa analogia, poderosa. Alguns homens nunca deixarão de ser o que são porque não passarão jamais pela transformação do poder do fogo.


Mas, a pipoca (do tupi pi' poka, que significa 'estalando a pele') era, a princípio, obtida de forma bastante diferente da atual: espetava-se a espiga de milho inteira e levava-se ao fogo. Depois, os grãos passaram a ser atirados no borralho (restos de cinza) para espoucarem. As cinzas eram separadas das pipocas pelo sopro. E foi dessa forma que Debret, no Brasil, conheceu a pipoca: "Os selvagens ... preparam as pipocas simplesmente jogando os grãos de milho ... nas brasas", escreveu o pintor. A fase seguinte do preparo da pipoca foi o cozimento do milho em panela de barro cheia de areia quente e, por fim, a substituição da areia pela gordura animal até chegar aos modernos processos que se permitem estourar pipoca em fornos de micro-ondas.


O milho usado para a produção de pipoca é de uma variedade especial, chamada de 'milho-pipoca', com espigas menores do que as do milho comum. Os grãos podem ser achatados ou pontiagudos e existem nas cores amarela, branca, rosa e roxa. As espécies cultivadas para uso comercial são Zélia e Colorado pop-1.

O grão de pipoca que resiste ao calor e não estala recebe o nome de 'piruá' ou 'mururu'. A pipoca é um prato extremamente gorduroso: cada 100 gramas de pipoca correspondem a quase 800 calorias!


A forma mais tradicional de consumo é a de pipoca salgada. Mas, é possível fazer pipoca doce, caramelizada e outras combinações desse ingrediente que é, talvez, a nossa maior contribuição à gastronomia mundial.

Comments

2 Responses to “Pele que estala”
Post a Comment | Postar comentários (Atom)

Anônimo disse...

"o milho da pipoca não é, originalmente, o que deve ser. O milho somente o é (pipoca) depois do estouro. Sem o estouro, é apenas milho. E a transformação passa pelo poder do fogo. Eu gosto dessa analogia, poderosa. Alguns homens nunca deixarão de ser o que são porque não passarão jamais pela transformação do poder do fogo."

Gostei também! Ainda hoje me imaginava correndo feito louco até chegar a algum lugar deserto, sem nada de humano a não ser minha presença, nada de civilizacional a não ser areia a perder de vista. Me imaginava correndo por esse deserto fora, livre, estalando a pele, rompendo a carne, queimando a testa, recebendo a chuva e o vento. E, então, PIPOCAR! quero dizer, chorar de verdade, gargalhar, praguejar, saltar, me estender e, com toda a certeza, soltar até rebentar a voz um BARBARIC YOP!! um grito vómito audível ao ponto de se perder no espaço, exorcismo, desintoxicação de constantes implusões... até virar fogo e arder, feliz, por ser finalmente o que eu sei que sou.
saúde.

20 de março de 2009 às 15:32
Redneck disse...

Sem dúvida alguma, é o comentário mais bonito que já vi nos meus dois blogs. Para dizer o mínimo, é lírico e poético. Parabéns! E saúde para você também, que parece tê-la, de fato!

20 de março de 2009 às 16:16