O fruto que chora a morte da filha e da mãe

segunda-feira, 23 de março de 2009


Uma tribo bastante numerosa enfrentava uma escassez de alimentos. Ficava cada vez mais difícil obter comida para todos. A partir dessa condição, o cacique, Itaki, resolveu tomar uma decisão cruel: todas as crianças nascidas a partir daquele dia seriam sacrificadas para evitar o aumento da população.


(Tigela de açaí com banana, morango e granola, mistura que é considerada uma heresia pelos puritas)

Um dia, a filha do cacique, Iaçã, deu à luz uma menina, que também teve de ser sacrificada. Isso causou muita dor e desespero em Iaçã. Isolada por vários dias na oca, Iaçã pediu ao deus Tupã que mostrasse ao cacique outra alternativa para acabar com o problema da fome que não fosse a morte dos recém-nascidos.


(Roça de açaizeiros)

Uma noite, Iaçã ouviu um choro de criança. Aproximou-se da porta da oca e viu sua própria filha ao pé de uma grande palmeira. Correu em direção à menina e a abraçou. Mas, assim como tinha surgido, a menina desapareceu silenciosamente.


(O açaí durante o processo de separação entre polpa e semente)

Essa visão transtornou Iaçã de tal maneira que a consumiu e, por fim, Iaçã morreu de dor. No dia seguinte, algumas pessoas da tribo encontraram Iaçã abraçada ao tronco da palmeira. Seu rosto, no entanto, estampava um sorriso de felicidade e seus olhos estavam fixados no alto da palmeira, que estava carregada de pequenos frutos escuros.


(Açaí com granola, que é uma das principais combinações consumidas no Sudeste do Brasil)

O cacique Itaki determinou que se colhessem os frutos e, com eles, fez um vinho avermelhado ao qual chamou de açaí (Iaçã, de traz para a frente), para homenagear a filha morta. Com o vinho, alimentou seu povo e, neste mesmo dia, suspendeu os sacrifícios dos recém-nascidos. Surgia, assim, o açaí e sua reconhecida propriedade de sanar a fome.


(A polpa in natura do açaí)

O açaí ou juçara é o fruto do açaizeiro (Euterpe oleracea), espécie nativa das várzeas amazônicas presentes na Venezuela, Colômbia, Equador, Guianas e Brasil (estados do Amazonas, Amapá, Pará, Maranhão e Acre). O açaí é, assim como o era para a lenda indígena, um alimento bastante importante para os povos amazônicos. O cultivo se estendeu por toda a região e, atualmente, pelo menos desde a década de 80, é largamente consumido em todo o País.

O alimento pode ser consumido de várias formas: bebidas, chamadas de bebidas funcionais (acrescidas de outros ingredientes), doces, geleias e sorvetes. Para ser base de alimento humano, o açaí deve ter a polpa retirada. Essa polpa, misturada com água, se transformará no vinho aludido pela lenda. Na verdade, é mais semelhante a um suco espesso.


(O açaí em estado puro e autêntico)

Tradicionalmente, toma-se açaí gelado com farinha de mandioca ou de tapioca na Amazônia. Mas, na medida em que o açaí chegou a outras regiões, algumas modificações no seu consumo foram feitas. Assim, pode se fazer um pirão com farinha e com açaí e comê-lo com peixe assado ou camarão. E também misturar o suco com açúcar, simplesmente. O mais frequente, no entanto, como se vê nas academias e bares, é o açaí servido a partir da preparação da polpa processada com xarope de guaraná, o que lhe dá o aspecto de uma pasta semelhante a sorvete em massa. Pode-se adicionar frutas e cereais a essa mistura - o que é uma heresia para os povos que cultivam o fruto.

Além da lenda descrita no início deste post, etimologicamente, a palavra açaí vem do tupi ïwasa'i, que significa "fruto que chora". Que também é uma referência à Iaçã.

Comments

2 Responses to “O fruto que chora a morte da filha e da mãe”
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Anônimo disse...

Tenho andada desaparecida...eu sei, mas adorei chegar aqui e ler este post. Aprendo sempre alguma coisa contigo. Muito Obrigada!

beijo grande e bom fim-de-semana

Ana

27 de março de 2009 às 20:24
Redneck disse...

Ana querida, realmente, você tem passado de relance. Obrigado, uma vez mais. Que esses conhecimentos lhe aticem a vontade de vir para cá. Tenha um grande final de semana também. Beijo!

28 de março de 2009 às 03:39