Um bacalhau para chamar de meu que brota no Sul

terça-feira, 16 de junho de 2009


"Aqui em Floripa come-se muito o abrótea (Urophicys brasiliensis) como o 'bacalhau manezinho'. É uma carne bem firme e que se solta em lascas, como o atum e o salmão", informa, lá de Santa Catarina, o blogueiro e colega Klaus Weiss, do Ideias no Fogão. Eu te digo, Klaus, que é um bacalhau para chamar de meu, de teu e de nosso, bem do Brasil. Dado que bacalhau, em si, não existe, ficamos, você, eu e todo mundo, com o 'bacalhau manezinho', porque os noruegueses e quetais estão para lá de inacessíveis, em temporadas ou não.

Peixe de escama miúda, o abrótea também pode ser encontrado sob os nomes de 'abrote' e apenas 'brota'. Popularmente, como os demais da mesma família de peixes do Hemisfério do Norte (Noruega inclusa), é chamado de bacalhau.


Mas abrótea é genérico e tem várias espécies: Brotula barbata, Gadella maraldi, Phycis blennoides, Phycis phycis, Urophycis cirrata e, finalmente, o 'manezinho', o Urophycis brasiliensis que, como indica o sobrenome é, portanto, do terreiro marítimo do Sul, Floripa inclusa, como bem o informa Klaus.

A ordem que liga o Urophicys brasiliensis ao demais 'bacalhaus' é a de peixes Gadiforme, da qual faz parte o Gadus morhua (bacalhau do Atlântico), o Gadus macrocephalus (do Pacífico) e o Gadus agac (da Groelândia). No entanto, com carne e sabores parecidos, esses peixes não são da mesma família (descendem da mesma ordem mas não têm parentesco): os Gadiforme são da família Gadidae e as abrótea são da família Phycidade. Parece um pouco confuso e é mesmo. Mas são os critérios da gaia ciência que estuda os peixes, a ictiologia.


No Brasil, são duas as espécies de abrótea: a citada Urophycis brasiliensis (conhecida como abrótea) e Urophycis cirrata (abrótea-de-profundidade). Mas, não se engane: a abrótea não é bacalhau fresco. Esse reino das águas é complicado sim. Recorde-se que 1/3 do planeta é composto de água e, portanto, as espécies de peixes são inúmeras, incontáveis na verdade, a partir do dado de que algumas profundidades marítimas, com a tecnologia atual, não podem ser alcançadas pela mão humana.

A não ser que se seja um especialista, um curioso gourmand, um investigador da natureza em seus pormenores ou, mais simples, um morador à beira da fonte de onde vem o peixe, é difícil identificá-los, aos peixes, e apostar que se leva para casa o peixe que se escolhe. Para facilitar, a abrótea tem algumas características que, por si só, claro, não vão me tornar um conhecedor, mas já ajudam a desenhar no cérebro os contornos desse bacalhau que posso chamar de meu (do Brasil): tem escamas diminutas, é de médio porte (de 75 cm e 2,5 quilos), duas nadadeiras dorsais longas, com cores que variam entre parda, marrom-escura ou olivácea e tem o ventre esbranquiçado.


A abrótea pode ser encontrada nas costas Sul e Sudeste (do Rio Grande do Sul ao Rio de Janeiro), em alto mar, em águas profundas e vive em formações de areia, lodo ou cascalho. Das duas espécies de Urophycis, a mais comum, a brasiliensis, é encontrada no Atlântico Sul; a cirrata é mais rara: vive em taludes (região do mar que fica em águas profundas entre 200 m a 1 mil metros).

Das profundezas do reino de Poseidon (ou Netuno, caso o prefira), emerge para os pratos, principalmente da Região Sul, e me chega ao conhecimento que há, em água brasilis, finalmente, um bacalhau para chamar de meu, ainda que bacalhau não exista. Caramba! Alguém viu, finalmente, uma cabeça de bacalhau nesse mundo?

Comments

4 Responses to “Um bacalhau para chamar de meu que brota no Sul”
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Anônimo disse...

Show de bola o post! Estava lembrando também hoje do congrio rosa, que é bem barato aqui em floripa e é simplesmente uma delícia, também se derrubando em lascas, quase um salmão, mas de carne branca e tenra, sem aquele sebo dos peixes de sangue vermelho... e dá-lhe acompanhamentos: vôngoles (aqui se chamam berbigões)e a deliciosa cachacinha da terra que (já me disse um mineiro) é tão boa quanto a de minas!

16 de junho de 2009 às 14:53
Redneck disse...

Klaus, valeu! E você já me conta mais uma novidade: o nome dos vôngoles. Berbigões é novo para mim. E quanto à cachaça, essa eu conheço e aprovo, de verdade. Já experimentei algumas especialidades da sua terra e digo que estão lado a lado com as mineiras. Abraço!

19 de junho de 2009 às 11:27
Anônimo disse...

Fãs de frutos do mar se acabam aqui... ostras: 4 reais a dúzia, graúdas, e o cara vai pegar na fazendola pra você, viva e fresca. O vôngole e o marisco, por R$ 2,50 o quilo. Camarão? 10 pratas, se der sorte eles vêm vivos ainda, nos latões do mercado municipal. Como está na época da tainha, dá-lhe tainha: 3 pratas o quilo (quando dá excesso, o que não é raro, você leva pra casa 3 tainhas graúdas por 10 pratas ou menos). Fora as lulas e polvos, que dá pra comprar frescos e aproveitar as bolsinhas de tinta nos caldos! Sucesso!

20 de junho de 2009 às 10:23
Redneck disse...

Klauss, olha que diferença! Estamos, em São Paulo, cerca de 80 Km distantes do mar. A produção de peixes e frutos do mar do litoral paulista, porém, não se equipara ao Sul e Nordeste do País. Enquanto você me fala de ingredientes frescos, praticamente colhidos das hortas marítimas, te dou exemplo apenas para constar: uma bandeja de camarão rosa, congelado, custa aqui mais de R$ 18!!! E quando você a prepara, fica sempre com a sensação de que o camarão perdeu 60% do sabor entre o mar e a sua mesa. Quanto aos demais peixes e frutos do mar sobre os quais você comenta, para encontrá-los de forma decente, tem que percorrer São Paulo como um garimpeiro vai atrás do ouro: com olhos de falção e agressividade de uma pantera. É, meu caro, as vicissitudes de vivermos em terras tão extensas. E ai que inveja das bolsinhas de polvos! Abraço!

20 de junho de 2009 às 16:14