Oi, tum tum... bate coração, pode bater...

segunda-feira, 25 de maio de 2009


Para dias apurados, um texto leve. Se a balança pende para o lado direito, acrescente-se peso no esquerdo para equilibrar. Têm momentos que demandam essa atitude. Um contrapeso para que não haja rupturas.


Esta segunda-feira, como insistem em sê-los, os primeiros dias úteis das semanas, sobrecarregou-me de iniquidades profissionais. Nada que não consiga se administrar e, ao final do dia, encerrar tudo e colocar em estado de espera para o primeiro tilintar do telefone do dia seguinte.


Mas, é bom, quando me apetece, aspergir um pouco de orvalho sobre tão árido solo. Sem um pôr do sol decente nesta São Paulo outonal, contentei-me com o escuro de nuvens que, carregadas de presságio, anunciam, ainda para esta noite, uma convulsão nos céus. Sinal nada auspicioso para esta cidade que não convive muito bem com o intangível de, imagine!, uma chuva!


Assim que, portanto, cerraram as cortinas celestes e um espesso veludo recobriu tudo, tive iniciativas de galinhas: correr para o poleiro e me recolher ao escape do relento. O meu recolhimento não trata-se, porém, de me meter no meio de galhos velhos e ao abrigo do vento. É uma clausura que, paradoxalmente, me liberta: corri até a padaria e me empolerei ante os balcões para a colheita do dia: pão francês, pão de queijo, queijadinha, quindim, miríades doces e salgadas que me colocam feito beduíno frente ao oásis.


Em reticentes ensaios para me furtar ao convidativo ato de pedir isso, aquilo e dácáum'cadinho daquilo lá também, contritamente, me retive ao óbvio: me vê lá pão francês e aquele piteuzinho coberto de erva-doce. Em compra de suprimentos anteriores, já tinha eu me abastecido de queijo coalhado dos pequenos grãos da erva-doce. E o chá de erva-doce, bem docinho, oh!, quase um suspiro de satisfação a subir com as ondas de vapor.

Egípcia de nascimento, a erva-doce (Pimpinella anisum) parece um orvalho verde a coroar um canteiro guarnecido. Macia sob o toque, sedosa feito um cabelo tratado a babosa e óleos emulsionantes, a erva-doce refresca o duro do dia. Quebra a casca de noz que, por vezes, nos envolve em couraças de guerra, feito soldados romanos que faziam da armadura a segunda pele.


É inevitável: se suave é a noite (nem sempre), suave é a erva-doce que, se tem aroma de alvorecer, tem também a propriedade de aquietar o intrépido dia que se esvai. Doce de nascença, a erva, já o sabiam os antigos, era para beberagens, medicinais ou não. Os romanos a usavam para preparar bolos, servidos ao final dos faustosos banquetes. Para aplacar a comilança, o chá verde sempre foi recomendado. Basta ir aos chineses e ver. A Inglaterra, em priscas eras, pagava impostos para importar a erva-doce. Doces tempos para as Bretanhas.

Aqueles que têm pouca fé podem não crer, mas, outros, mais ajuizados, afirmam que a erva-doce é afrodisíaca, que é capaz, por si mesma, de promover harmonia, paz e prosperidade. De paz e prosperidade, não detenho estocagem suficiente para confirmar a teoria. Mas, uma chávena de erva-doce é, sim, eficaz para harmonizar.


A erva-doce é consumida majoritariamente em forma de chá. Porque, não sei se você concorda comigo, mas, no íntimo, credito aos chás o estranho poder de aquietar, apaziguar o ácido gosto que fica na boca depois de um, sei lá, dia com gosto de cabo de guarda-chuva?? O chá retém a propriedade de acalentar e nos dar dignidade. Uma xícara de chá fumegante aquece o corpo e aquiesce o espírito, pois não?

De qualquer forma, eu recomendo uso intensivo da erva-doce em broas de milho (hummm!!!), queijos, carnes, biscoitos, saladas, na pasta e até mesmo no arroz, por que não? Uma chuvinha de sementes, só para espantar aquelas feitiçarias pequenas que vêm travestidas de incômodas sensações de cansaço. A erva-doce é harmonia, sim. Feito uma harpa, um acalento para amargos estômagos cujos âmagos querem uma pitadinha de orvalho. E só. Para que o coração continue na cadência de sempre, sem sobressaltos ou pausas longuíssimas que nos deixam, os assustados, com cabelos mais espetados do que as folhas de erva-doce. Tum... tum... 

Comments

4 Responses to “Oi, tum tum... bate coração, pode bater...”
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Ana disse...

Oi Red,
colega, passei por aqui pra dar uma olhadinha, e me surpreendi de novo. Adorei o texto! Alias estou em plena fase de apreciacao de chas, especialmente pq aqui pro sul o friozinho e especial.
Abracos
Ana

28 de maio de 2009 às 09:45
Redneck disse...

Ana, legal que você gostou. Eu também estou bem 'chazeiro'. Ainda mais com chás perfumados, verdes e pretos. Aqui também tá um friozinho que que leva naturalmente ao chá. Beijo!

29 de maio de 2009 às 14:44
Ana disse...

Entao vou te deixar uma dica de cha verde. Faca um cha verde (se vc encontrar um importado que sao pequenas "bolinhas" verdes, na verdade sao folhas que se abrem quando infusass. Eh o melhor!!!)
Ai vc coloca umas folhas de hortela, da aroma e suavisa o amargo do cha verde. Eu tomo gelado e sem acucar, nos dias bem quentes sao otimos pra refrescar.
Abracos
bye

31 de maio de 2009 às 23:02
Redneck disse...

Ana, durante a faculdade de gastronomia, eu tive o puro prazer de conhecer essas "bolinhas" que se abrem quando em infusão. Também acho que são os melhores. E caros, né! Valeu a dica. Com o frio que está por aqui, eu, gordíssimo, quero é um chocolate rascante, daqueles bem cremosos, que esquentam até o fundinho da alma. Abraço!

2 de junho de 2009 às 00:48