A primeira vez a gente nunca esquece

terça-feira, 12 de maio de 2009


De repente, tive ímpetos de comer farofa feita de farinha de milho com bacon e couve-manteiga. Desejo equivalente àquele de mulher grávida, que não pode esperar o dia chegar nem que seja 3 horas da manhã ou que a chuva caia torrencialmente lá fora.

Foi isso: uma torrente de desejo por farofa caseira. E o engraçado é que nem me recordo mais de quanto tempo que comi uma farofa dessas. E tampouco sou chegado em couve. Mas uma coisa levou à outra e vi, inclusive, finos filetes de couve, tão finos quanto linhas de anzol, prontos para serem refogados ao alho, óleo e bacon. Não teve jeito. Fui ao supermercado com a firmeza dos famintos (e gulosos), com a listinha na cabeça, o gosto na boca e a farofa a aquecer meu famélico estômago.

Mas não sei o que é dos supermercados hoje em dia, que funcionam 24 horas, mas que não nos guarnecem das coisas simples da vida. Aquele amontoado de gôndolas, com queijos franceses, azeites espanhóis, misturas japonesas e até mesmo molhos árabes e, numa contradição gritante, não dispõem de bananas, laranjas ou couve!!!


(Tão arredia, a catalônia não se mostra; esta foi a única foto que localizei, ainda em tenros brotos)

Quem é o encarregado de repor o ingrediente básico? Chama o gerente, depressa. Que até mesmo a mais simples venda do interior é capaz de oferecer couve e, se não as tiver, por certo mandará colher logo ali, nos fundos de casa.

Essa é a grande diferença entre a cidade e o interior: cá, não se acha couve quando a vontade assassina está a te deixar tão esverdeado quanto a hortaliça. Lá, apanha-se couve em grandes folhas, gigantes, disponíveis feito leques a se abrirem, convidativos ao frescor.

Pois que acabei sem a couve, objeto número 2 da minha peregrinação. O número 1 era a farinha de milho. Para não sair contrafeito, busquei alternativas. Qual o quê! A única verdura mais próxima da couve era a escarola. E só. Tenho, confesso, um pouquinho de paúra de escarola, de folhas de mostarda, espinafre e outras verdinhas. Mas a vontade, misturada ao desejo, permaneceu.

Saí de lá confiante de que tinha nas mãos um maço de escarola, daqueles hidropônicos, bem vedados na embalagem e, aparentemente, mais saudáveis que as verduras compradas in natura. O que duvido à larga. As folhas, quando as desejo, e são raros esses momentos, as prefiro soltas mesmo. Como se eu tivesse colhido na horta. Mais fácil de assimilá-las, assim.

Cheguei em casa, guardei a compra e reservei os ingredientes para a farofa. Ao abrir a embalagem da escarola, surpresa: não havia escarola, e sim catalônia. Achei que estava a ter crise de catatonia, originada na verde fome. Nada! Era catalônia mesmo e ponto final.

De forma que, à 0:15 minutos desse dia de 12 de maio de 2009 fomos, a catalônia e eu, introduzidos um no mundo do outro. Prazer, como está e shhhhh!!! para a panela já! Rápido assim, o nosso encontro não teve interlúdio ou preliminares que fossem. Eu, ávido. A catalônia, impassível, a se fazer passar por escarola.

Sou de pouca fala quando se trata de verduras, legumes e hortaliças: as folhas, confesso, as confundo bastante. Por ser um consumidor bissexto de vegetais, deles pouco sei. De qualquer forma, a recíproca é verdadeira: a catalônia tampouco tinha me visto mais gordo (sem trocadilhos).

Tratei a catalônia como trataria a couve: com carinho mas com precisão. Cortes cirúrgicos, faca aqui, faca ali e já o alho tiritava na panela, a farinha ameaçava embolar e, finalmente, catalônias ao fogo. Estava pronta minha farofa. Que comi, voraz. A catalônia, que se bêbado eu estivesse, passaria por almeirão mais requintado, se prestou muito bem ao papel de couve. Madrugada memorável de dois virgens, um do outro. Agora, íntimos.

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