Vamos gervear?

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008


O chimarrão ou mate é uma bebida típica do sul da América do Sul, herdado das civilizações indígenas quíchua, aymará e guarani. No Brasil, o chimarrão é popular no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia. Mas, o chimarrão extrapolou as fronteiras. Meu tio que mora no Pará, por exemplo, virou fã do chimarrão e, segundo testemunhos da minha família, recentemente esteve no interior de São Paulo e não se separou de sua cuia.

Contudo, culturalmente, se associa o chimarrão ao gaúcho. Aliás, o consumo nos estados do Norte e do Centro-Oeste se deve aos migrantes gaúchos que foram para essas regiões.

O ritual do chimarrão pressupõe a cuia, a bomba, a erva-mate e a água. O chimarrão é feito com erva-mate que, por meio da infusão com água quente (não fervente), gera a bebida. O sabor pode variar entre o doce e o amargo (depende da qualidade da erva-mate).

Antes, porém, a erva-mate é também processada: são folhas e ramos finos que, secos e triturados, passam por uma peneira grossa. A erva-mate varia entre a fina e a mais encorpada (semelhante ao vinho, não?).


A cuia, fundamental no ritual da beberagem, é uma vasilha feita a partir do fruto da cuieira. Claro que há inúmeros modelos, com os mais diversos adornos. A bomba, ou bombilha, é um canudo de 6 mm a 9 mm de diâmetro feito em prata lavrada, com 25 cm de comprimento. Na extremidade inferior da bombilha, há uma pequena peneira para reter a erva-mate e, na extremidade superior, há um bocal, semelhante a uma piteira, pelo qual se suga o chimarrão.

Pode-se dizer que o chimarrão tem o mesmo aspecto ritual do chá japonês e britânico. Isso não significa que é uma cerimônia. Antes, trata-se de um ajuntamento de pessoas em torno de um alimento que pode ser sorvido coletivamente.


A água para preparar o chimarrão não deve estar em estado fervente porque isso queima a erva-mate e altera o gosto. Deve apenas esquentar (se for na chaleira, deve-se ouvir o chiado proveniente do contato da água com a parte seca do alumínio da chaleira).

Há uma lenda indígena - e essa sempre é a parte de que eu mais gosto - segundo a qual um velho índio guarani, cansado da vida nômade, recusou-se a seguir adiante. A filha mais jovem resolveu ficar com o velho pai para ampará-lo até que a morte o levasse ao Yvi-Marai (Terra sem Mal ou o Paraíso). Um dia, um pajé desconhecido encontrou os dois e perguntou à jovem Jary o que desejava para ser feliz. Jary nada quis, mas, o pai pediu renovadas forças para seguir adiante e levar Jary ao encontro da tribo.


O pajé entregou-lhe, então, uma planta muito verde, perfumada de bondade e lhe disse que plantasse, colhesse as folhas, secasse-as ao fogo e as triturasse. Depois, que as colocasse num porongo (cuia) e acrescentasse água quente ou fria. Conforme o pajé, a ingestão da infusão serviria como companhia saudável mesmo nas horas tristonhas da mais cruel solidão. O velho índio se recuperou, ganhou forças e conseguiu reencontrar a tribo.

Dessa forma, nasceu e cresceu a caá-mini (erva-mate), da qual resultou o caá-y (chá) que, mais tarde, foi denominado pelos brancos de chimarrão. A palavra 'mate' vem do espanhol. Mas, os próprios espanhóis usavam a palavra 'mati' (cuia), dos quíchuas. Depois, o processo todo foi chamado de caiguá, nome composto que vem do guarani - caá (erva), i (água) e gu (recipiente).


O chimarrão é antigo. Os espanhóis o conheceram em 1536 na foz do Rio Paraguai. Como bebiam muito (borracheras), os espanhóis sofriam com a ressaca e, para curá-la, tomavam o chá de ervas dos índios e ficavam livres da ressaca - o mate amargo é ativante do fígado.

O porongo (cuia) e a bomba eram retirados das moitas de taquaras às margens do Rio Paraguai. Tradicionalmente, os paraguaios tomavam o chimarrão frio e em qualquer tipo de cuia. Esse método é chamado de 'tererê", pelo qual o chimarrão pode ser ingerido com gelo e limão ou com suco de laranja ou limonada ao invés de água.


Ao ato de se preparar o mate dá-se uma série de nomes: cevar o mate, fechar o mate, fazer o mate, enfrenar o mate ou, simplesmente, chimarrão. Ao se convidar alguém para tomar chimarrão, pode-se formular o convite das mais diversas formas: Vamos matear?, Vamos gervear?; Vamos chimarrear?; Vamos verdear?; Vamos amarguear?; Vamos apertar um mate?

Existem algumas tradições que, de novo, remetem à cerimônia do chá japonês. É um verdadeiro rito: a entrega da cuia e o recebimento do mate deve ser feito com a mão direita. Para servir a cuia, deve-se segurá-la com a mão esquerda e servir a água com a mão direita. Depois, troca-se a cuia de mão para que ao oferecer para a próxima pessoa, isso seja feito com a mão direita. Apenas o cevador (dono da cuia) deve mexer no mate. É considerada falta de respeito mexer no mate sem permissão. Na roda de mate, inicia-se a rodada pela pessoa mais velha ou por alguém que se queira homenagear.

A pessoa que fecha o mate (prepara) deve tomá-lo primeiro, na presença dos demais. Isso indica que o mate está em condições de ser sorvido. Os jesuítas atribuíam um poder afrodisíaco ao mate e criaram o mito entre os indígenas de que Anhangá Pitã (diabo) estava dentro do mate para que os índios parassem de beber o líquido o dia todo. Por fim, a cuia deve ser 'roncada', ou seja, o chimarrão deve ser tomado todo, até se ouvir o ronco da bombilha.

Comments

2 Responses to “Vamos gervear?”
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Anônimo disse...

Quando eu morava em Poa todos os domingos as pessoas iam p a beira do rio, ver o pôr do sol e o nome do "evento" era chimarreando ao pôr do sol :o)
É uma tradição muito legal, mas o gosto da bebida é péssimo.

2 de dezembro de 2008 às 08:46
Redneck disse...

Tati, as tradições são, no mais das vezes, superiores aos sabores, não é? Os há, os sabores, que não nos agradam. No entanto, o sabor de se passar o tempo coletivamente é superior ao sabor puro e simples do chimarrão. Beijo!

3 de dezembro de 2008 às 15:06