Gasta pelo uso político fundado na era Collor, a palavra 'marajá' nos causa, a nós brasileiros, de imediato, repulsa. O termo foi apropriado nos anos 90 no Brasil para definir a casta de políticos e respectivos apadrinhados mantidos em empregos-fantasmas. Assim, esses 'marajás' brasileiros eram funcionários públicos regiamente pagos com altos salários e, na prática, não exerciam função alguma.
O Brasil, ainda que não tenha um sistema de castas aos moldes da Índia, incorporou muito bem ao menos esse escalão, os dos maha-rajá, que tinham, sim, pequenos feudos sobre os quais agiam conforme os correspondentes marajás indianos: com mandos e desmandos e muito poder regado a dinheiro público. Houve, ao final do marajonato de Collor, uma verdadeira caça aos marajás brasileiros e, embora a limpeza tenha sido bastante eficiente, restam uns e outros à margem de Ganges tropicais imaginários, prontos para reassumir igualmente fantasiosos reinados. Há que se manter vigília permanente, portanto, para que esses reis não retomem cepos, tronos e coroas e venham a triunfar em desfiles tão flagrantes quanto elefantes em procissão na Ásia.
Por conta da má fama, a palavra 'marajá' é precedida, portanto, de preâmbulos como esse que acabei de descrever acima. Causa azia e ânsia mal contida nos estômagos um tanto quanto sensíveis das pessoas que viveram aquela era peculiar com predominância de entes estranhos ao paladar nacional como marajás, oriundos de tão distantes reinos que o eram os autênticos indianos.
Bem, essa preleção toda é para que fique registrado na memória que há, pelo menos, um marajá legítimo, de raiz brasileira, e que nada tem que ver com reinos, Índia e muito menos com comportamentos políticos que merecem fogueira em praça pública.
Marajá é o nome de um fruto do marajazeiro, uma palmeira nativa da Amazônia. O marajá (Pyrenoglyphis maruja) brasileiro tem o tamanho de uma azeitona e o formato de um côco, cujas cascas podem ser roxas ou pretas. A polpa é branca e pode tender também para o rosa, com leve sabor que transita entre o adocicado e o azedo.
Popularmente, a árvore marajazeiro é conhecida como palmeira-marajá e o produto principal do fruto é o licor de Marajá, assim, grafado em maiúscula para designar, de forma respeitosa, um fruto nativo das matas amazônicas, e mais especificamente encontrado nas extensões da floresta que chega ao Pará.
A palmeira é silvestre e desenvolve-se bem em terrenos alagados, às margens dos rios e igarapés da Amazônia. Tanto que é comum encontrar a árvore e o fruto nas vias fluviais da região. E, claro, a planta é bastante comum na ilha de Marajó que tem exatamente as condições geológicas requeridas para o desenvolvimento da palmeira. A fruta pode ser consumida in natura e dela se produz também um líquido que é quase vinho e pode ser vinagre.
De forma que se tem, em território brasileiro, um legítimo marajá. Que, ao contrário dos correlatos brasilienses que germinaram em todo o solo pátrio, estão restritos à região amazônica, preferencialmente em vastas e alagadas superfícies. Que, também em oposição ao marajonato de classe baixa na casta da escala sócio-política, não são amargos, e sim adocicados. Não são contraproducentes, e sim bastante aproveitáveis - fruto, casca, folhas, tronco. Que, embora pequeno em dimensões, o fruto marajá resgata a palavra do limbo a que foi submetida por tão mal afamada circunstância e a recoloca nas alturas, entre 6 e 8 metros, que é o quão alta pode ser uma palmeira-marajá.
Proclame-se, portanto, que os marajás brasileiros são esses, frutos da terra, e não aqueles, frutos da cobiça. São esses, conhecidos desde sempre pelos índios, e não aqueles, herdados do jugo indiano. São esses os pequenos marajás cujas sementes serviam de adorno aos indígenas e o servem ainda aos nativos, e não aqueles outros, adornados de falsos brilhantes. Não temamos, mais, pois, fazer bom uso da palavra 'marajá'. Que esse uso, cedido pela natureza, não corrompe. Ao contrário, rompe com aquele outro, falso desde a raiz.