É tempo de reconciliação

terça-feira, 4 de agosto de 2009


De repente, instado por uma urgente necessidade básica de cuidar do corpo, que do espírito já não sei se posso fazê-lo, sou, sem mais nem porque, jogado aos leões feito Daniel. Mas, sendo eu próprio um leão, o fato, por si só, não me aflige: leoninamente, balanço a juba e sigo impávido.

Esses leões, de fato, estão mais para quimeras. E não me julgue muito rigorosamente pois que tento me reconciliar com todo um universo de frutas, verduras e legumes (as minhas quimeras, pois), da forma mais responsável possível, e, um pouquinho que seja, de maneira satisfatória.


Eu sei, eu sei! Da forma como coloco, parece que estou a ir ao cadafalso. Não é de todo falso esse sentimento. Mas, eu, gastrônomo, aliado do ingrediente, sou bastante refratário ao consumo das amplas famílias, linhagens, ramificações e folhas, principalmente folhas, dos legumes, verduras e frutas.

Encostado em paredes semelhantes a paredões de fuzilamento e acuado por invisíveis fuzis, me rendo e peço clemência. Mas não de todo. Sou bastante dissimulado quando a estratégia o pede e resolvi fazer dessa nova etapa dietética que me é imposta uma potencial aliança com a verdejante flora comestível. Resolvi sondar o adversário (claro, na concepção do meu paladar) e me unir às suas próprias tropas, tão verdes quanto os olivais uniformes de exércitos.


O fato 1 é que gosto de carne, massas e doces. Em profusão. Verdadeiros oceanos desses alimentos. O fato 2 é que me estão praticamente proibidos. E, assim interditados, me parecem ainda mais excitantes. Ai!

Quando confrontado com ingredientes saudáveis (e o são, admito), a primeira coisa que me vem à cabeça, de forma estranha, é o chuchu. Não se ria. Não sei porque. O chuchu (Sechium edule) é uma hortaliça-fruto, também chamado de machucho e caiota (nos Açores). Para mim, o chuchu é insosso. Não faz minha saliva porejar, perigosa. Não tem gosto. Nada. Vejo apenas a carne macia do chuchu, cozida em água e sal (pouco) e só. Se não fosse a ácida companhia do limão, o chuchu, oh!, seria apenas chuchu.

Chuqrinho que só, de tão sem gosto. Mas, prometi tempos de paz entre eu mesmo e os caros vegetais, legumes e frutas que deverão trabalhar em equipe para me recompor. E, colocado assim, tenho que ter um relacionamento, no mínimo, de respeito com todos esses alimentos.


Não sei porque ocorre essa desintimidade entre o chuchu e eu. Nunca brigamos, de fato. Eu é que, emburrado, me faço de rogado. Talvez haja um certo desdém de minha parte porque o fruto nem da terra é. É vizinho, mas vizinho não é de casa, pois não? Acredita-se que o chuchu vem da América Central, principalmente da Costa Rica e Panamá. Não sei como chegou ao Brasil mas está aqui, impávido a me fitar de suas trepadeiras folhagens. Quando o manto das Américas levantaram nações outras, parece que o chuchu trepava em ramagens fortes no Caribe.

Os astecas, povo desconhecido e misterioso, o destacavam entre as hortaliças e se o faziam, não há de ser eu, uma mixórdia de raças em mim mesmo, que devo desfazê-lo. É uma hortaliça generosa e, suave, pode ser consumida à vontade, o ano todo. É rica em fibras (das quais tenho grande necessidade nesse momento) e pobre em calorias (as quais posso desprezar em toneladas).


Na Ilha da Madeira, leva um nome mais atraente: pepinela ou pimpinela e é ingrediente da gastronomia local. Come-se, na Madeira, chuchu com feijão, batatas e milho para acompanhar, sobretudo, caldeiradas de peixe.

A família ramifica-se em outras conhecidas hortaliças, às quais também terei que prestar continência e demonstrar um pouco de apreço: pepino, abóbora, melão e melancia. Para minha surpresa - e por isso a importância de se conhecer o inimigo, ops!, o colega - o chuchu tem uma ampla variedade de forma, tamanho e cor. Pode ser arredondado ou em formato de pêra. A casca pode ser lisa ou com espinhos e a cor vai do branco ao verde escuro.

Não se consome o chuchu in natura. Deve ser cozido ou refogado e transformado em sopas, cremes, suflês, bolos ou saladas. Outro dado novo para mim: pode-se consumir as folhas, brotos e raízes do chuchu.


Ainda não estou de todo apaixonado por esse fruto-hortaliça. Mas, o fato de eu escrever sobre o chuchu mostra (espero) uma tentativa de nos darmos bem. De limpar entre nós dois quaisquer resquícios de incivilidade. Eu preciso de chuchu. O chuchu não depende de mim. Simples assim.

Estou aqui, cá com meus botões, a imaginar que posso aguentar essas novas trincheiras. Chuchu com camarão é bom, afinal. OK! Sei que não convenci de todo, mas hei de me unir às hostes verdes do alimento da terra. Ou verde ficarei eu de outras coisas tão estranhas que poderão ser creditadas à Marte, caso o sejam, os marcianos, efetivamente verdes. Por enquanto, apenas tremo feito vara verde enquanto não ocorre a aproximação desse vastíssimo contingente verde que me livrará de todos os males. Amém!